Desenhos

11.10.06

Texto 1

O passo era trôpego, a camisa vinha suja e o olhar se perdia na insanidade, seu delírio rasgava a calçada em violentos berros.

Tinha descoberto... Tinha percebido tudo. Todos o enganaram de ninguém eram verdadeiros os gestos de amor e atenção.

Tudo, tudo uma grande conspiração. Sem chefes... Sem cabeças... Sem cunhões que pudesse chutar.

Tudo. Tudo era mentira tudo que lhe disseram, todos que se aproximaram, tudo que acreditou, tudo que sonhou era mentira, mas ainda assim isso não o derrubava. Ele berrava aos quatro cantos, provocava, mas nada respondia, nada o afrontava ou o vencia.

Tudo se fazia para lhe mostrar sua fraqueza, tudo se fazia para lhe torturar a carne da alma. Ser abjeto e vil, ser sozinho e superior.

Estás só!!! Condenado a eternidade da tua solidão.

5.10.06

Lenda Chinesa

Meng Hsie relata:

Quando ouviu que recentemente os jovens
artistas se exercitavam
em parar-se de cabeça para baixo
para experimentar uma nova
maneira de ver, Meng Hsie imediatamente
tentou a mesmo coisa, e depois de fazer isso
por algum tempo disse a seus discípulos: “O mundo
parece novo e mais bonito se me ponho
de cabeça para baixo.”

Isso se espalhou, e os mais novos
entre os jovens artistas vangloriavam-se
de confirmar em suas próprias tentativas
as palavras do velho mestre.

Como este fosse conhecido como pouco falador, e
educasse seus discípulos mais
pela existência e exemplos
do que pela doutrina, cada uma de suas palavras
era levada em conta e divulgada.

Pouco depois que essa nova palavra
encantasse os novos, mas causasse estranheza
aos mais velhos, soube-se de nova frase
sua. Diziam que recentemente
ele se manifestara assim:

“Que bom que o homem tenha duas pernas!
Parar-se de cabeça para baixo não é bom
para a saúde, e quando o que está de pernas
para o ar volta a endireitar-se, o mundo
lhe parece muito mais bonito!”

“Hoje”, disseram os mandarins, “Meng Hsie
diz uma coisa. e amanhã diz outra.
Mas não pode haver duas verdades.
Quem vai levar a sério esse velho
que ficou louco?”

Contaram ao Mestre o que os novos
e os mandarins diziam a seu respeito.
E ele apenas riu. E como lhe pedissem
alguma explicação, ele disse:

“Existe a realidade, meninos, e nada
nela se pode modificar. Mas a verdade,
isto é, opiniões sobre o real,
expressas em palavras, são incontáveis, e cada uma
é ao mesmo tempo certa e inexata.”

E os discípulos não conseguiram lhe arrancar,
por mais que tentassem,
qualquer outra explicação.


Hermann Hesse - 1959